“Para
se saber quem foi Lampião, é preciso situá-lo no contexto social de seu tempo e
no espaço geográfico em que ele viveu. Só assim é possível compreender e julgar
esse personagem que terminou sendo o símbolo de uma época no sertão
nordestino”.
De
Salvador-Bahia – Parece inevitável. Uma discussão sobre o Rei do Cangaço e
o cangaceirismo desemboca na interrogação recorrente: o “capitão” Virgulino
Ferreira, o Lampião, que aterrorizou o Nordeste brasileiro durante 17 anos, na
primeira metade do século passado, foi bandido ou herói?
Isso aconteceu mais uma vez no último dia 26, na Faculdade de
Arquitetura da UFBa, em Salvador, onde intelectuais baianos debateram o tema a
partir da avaliação do livro ‘Lampião – a Raposa das Caatingas’.
O autor, José Bezerra Lima Irmão, foi taxativo: “Nem bandido
nem herói, foi um cangaceiro”. Advertiu que a pergunta é a mais tola que se
possa fazer e é simplória qualquer resposta dada às pressas.
“Para se saber quem foi Lampião, é preciso situá-lo no
contexto social de seu tempo e no espaço geográfico em que ele viveu. Só assim,
situando-o nas dimensões dos espaços físico e temporal, é possível compreender
e julgar esse personagem que terminou sendo o símbolo de uma época no sertão
nordestino”.
Este trechinho copiei da parte inicial do livro, um camalhaço
(no bom sentido) de 736 páginas de letras miúdas. E dá o tom do conteúdo da
exposição de José Bezerra para as pouco mais de 20 pessoas que foram ao
encontro (uma pena tão pouca gente!).
Talvez não fosse necessário frisar que o autor deu uma mostra
do seu conhecimento enciclopédico sobre o assunto, adjacências e contexto – Guerra
de Canudos e outros levantes populares, coronelismo, violência, injustiças
sociais, religiosidade, falta de instrução, vinganças familiares, luta “braba” pela
terra e pela sobrevivência, ausência do Estado, mandos e desmandos dos
coronéis, dos jagunços, da polícia e, óbvio, dos cangaceiros.
Sobre tudo isso, José Bezerra mostrou que sabe tudo, pode-se
dizer sem medo do exagero. Tanto que o reconhecido escritor baiano, Oleone
Coelho Fontes (autor, dentre outros livros, de ‘Lampião na Bahia’, já na décima
edição), não hesitou em declarar que Bezerra esgotou o tema.
A
estrutura social da época explica o fenômeno
Oleone, aliás, tem uma opinião bastante diferente da de
Bezerra. Proclama com toda eloquência que Lampião foi um bandido, simplesmente
assim, um bandido sanguinário. Invoca a favor de sua posição as inúmeras
testemunhas ou contemporâneos dos fatos que entrevistou para escrever seu
livro.
Presente ao encontro, Antonio Olavo, cineasta/documentarista
baiano, mostrou-se afinado com grande parte da visão apresentada por Bezerra.
Disse que respeita vozes diversas, mas discorda de enfoques como o de Oleone,
frisando o fenômeno da reação dos cangaceiros frente a uma situação política,
econômica e social marcada pela injustiça e violência.
O cenário natural de tal situação era a tirania capitaneada
pelos coronéis e chefes políticos, que tinham a seu serviço jagunços e
policiais, além de autoridades como delegados, juízes e padres.
Já os organizadores do debate, o professor Edmilson Carvalho
e Jorge Oliver, velhos militantes do campo das esquerdas, defenderam a
necessidade e a relevância do aprofundamento de tal discussão, levando em conta
principalmente que as verdadeiras causas do cangaceirismo residem na estrutura
social e política da sociedade de então.
Bem, é preciso dizer que José Bezerra, um sergipano que vive
em Salvador, é auditor da Receita estadual, com 70 anos, ainda não aposentado.
Passou 11 anos atolado nas pesquisas, usando finais de semana, feriados,
férias, licenças (preciso lhe perguntar como sua família aguentou, ou não
aguentou?), com mais de 30 viagens pelos sete estados nordestinos por onde
andou Lampião obrando suas controvertidas e famosas proezas.
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