quarta-feira, 22 de novembro de 2017

América Latina: rede de libertários da ultradireita (parte 2)

América Latina: rede de libertários da ultradireita (parte 2)

A REDE ATLAS E A TEIA CIVIL ARMADA por trás da ofensiva capitalista: o modelo que está se estendendo pela América Latina se baseia num método aperfeiçoado por décadas de luta nos Estados Unidos e Reino Unido. Antony Fisher, empresário britânico e fundador da Atlas Network, queria “cobrir o mundo com os think tanks do mercado livre”. (Foto acima, da Internet: A vitória e o governo de Macri na Argentina são uma mostra do êxito da ação dos chamados libertários)


Por Aram Aharonian e Álvaro Verzi Rangel (*) – do portal Nodal – Notícias da América Latina e Caribe, de 09/10/2017 – Tradução: Jadson Oliveira (título e destaque acima e divisão em três partes são desta edição; título original: ‘Red Atlas, libertarios de ultraderecha: entramado civil detrás de la ofensiva capitalista en Latinoamérica’)
Na Argentina


A Fundação Pensar era um ramo da Rede Atlas na Argentina que se converteu no PRO (Proposta Republicana), o partido político que levou Mauricio Macri em 2015 à presidência. Dirigentes da Pensar e da Fundação Liberdade – outro ramo da Rede -, ocupam hoje cargos chaves na administração argentina. Mas há uma série de fundações, dirigidas por altos funcionários da administração Macri, que drenam recursos públicos para elas, aumentando os fundos provenientes da Rede Atlas e da NED (National Endowment for Democracy – Fundação Nacional para a Democracia).
Segundo investigações jornalísticas, a essa rede devem se somar as fundações SUMA (dirigida pela vice-presidenta Gabriela Muchetti), Segurança e Justiça (do secretário da Segurança Eugenio Burzaco), Crescer e Crescer (do prefeito Néstor Grindetti), Formar (do ministro da Educação Guillermo Dietrich), Pericles (do assessor jurídico presidencial Rodríguez Simón), por exemplo.
A Procuradoria da Criminalidade Econômica e Lavagem de Dinheiro denunciou em 2014 o ministro da Cultura, Hernán Lombardi, pelo desvio de fundos públicos para Pensar. Também foi denunciado perante a Justiça o “dízimo” que a dirigente macrista Gladys Rodríguez solicitava aos que tinham acesso a empregos públicos na Província de Buenos Aires, para engrossar os fundos da mesma fundação.
O Centro de Abertura e Desenvolvimento da América Latina (CADAL, entre os 60 think tanks mais influentes da região, segundo o Global Think Tank Index Report) é associado à Network of Democracy Research Institutes, NDRI, e pôs em funcionamento o Instituto Vaclav Pavel e Análise Latina, dirigido pelo jornalista Fernando Laborda (prêmio aos Jovens Líderes 2006 da Rede Atlas), tudo com fundos proporcionados pela NED, via a Rede Atlas e pelos recursos financeiros drenados do Estado argentino.
Em Honduras
A Fundação Eléutera, em São Pedro Sula, Honduras, foi fundada depois do golpe contra o presidente constitucional Manuel Zelaya em 2009. O líder da fundação, Guillermo Peña Panting, que trabalhava na John Locke Foundation, think tank da Atlas sediada no estado de Carolina do Norte, patrocinou numerosos seminários da organização.
O atual governo de Honduras pediu o apoio político da Eléutera, incluindo o estabelecimento das primeiras Zonas Especiais de Desenvolvimento (ZEDE), um projeto controverso para que dirigentes empresariais possam manejar determinadas zonas sem atender os sistemas legais e políticos do Estado.
Na Venezuela
A Atlas tem jogado um papel na Venezuela. Os registros obtidos através da Lei da Liberdade de Informação, assim como os comunicados do Departamento de Estado revelados por Chelsea Manning, revelam o sofisticado esforço dos políticos estadunidenses para usar os think tanks da Atlas numa longa campanha para desestabilizar o governo venezuelano. Já em 1998, Cedice Libertad, o carro-chefe da Atlas em Caracas, recebeu apoio financeiro regular do Centro para a Empresa Privada Internacional. Os fundos que a NED destina para Cedice são justificados como para ajudar a defender “uma mudança no governo”.
Cedice Libertad, em Caracas, promove apoio a dirigentes da oposição conservadora, incluindo María Corina Machado. O diretor de Cedice firmou o Decreto Carmona, que instaurava a curtíssima ditadura após o golpe civil-militar contra Hugo Chávez em 2002. É um think tank da Atlas que tem recebido, também, financiamento do governo dos EUA, através da NED.
Um comunicado de 2006 estabeleceu uma estratégia do embaixador estadunidense William Brownfield para financiar organizações sem fins lucrativos politicamente ativas na Venezuela para o fortalecimento das instituições democráticas; para infiltração na base política de Hugo Chávez; para a divisão do chavismo e, sobretudo, a proteção dos negócios vitais a nível internacional.
Há outras ONGs e fundações que trabalham na teia armada através da Atlas, como Provea (financiado ademais por Open Society Foundation do multimilionário George Soros, pela Fundação Ford e pela embaixada britânica), a Associação Civil Poder Cidadão (focada no enfraquecimento das forças militares e sistemas de inteligência e segurança venezuelanos), e o Observatório Venezuelano de Conflitualidade Social, que trabalha em temas de direitos humanos e cidadania relacionados com conflito interno, co-financiado pela NED.
A isso se soma Espaço Público, que coordenou diretamente a distribuição de fundos e projetos do Departamento de Estado ao “jornalismo independente” (na realidade portais anti-chavistas) entre 2008 e 2010, que põe ênfase na defesa da liberdade de expressão, e Foro Penal Venezuelano, financiado por Freedom House, para a defesa jurídica dos acusados por sabotagem, terrorismo durante as vandálicas campanhas de “resistência civil” da oposição venezuelana em 2014 e 2017.
A reunião de Buenos Aires


Lee Fang narra em The Intercept que um jovem líder de Cadal, um grupo de experts argentinos, apresentou uma ideia para classificar cada província argentina usando o que ele chamou um “índice de liberdade econômica”, que usaria o nível de impostos e regulação como o principal critério para gerar boatos para fazer avançar reformas do livre mercado, baseado em estratégias similares às dos EUA, incluído o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, que mede os países sobre a base de políticas fiscais e barreiras regulatórias para a formação de empresas.
Os think tanks da rede estão associados com institutos “independentes” formados para desenvolver soluções não convencionais. Mas o modelo da Atlas se centra menos no desenvolvimento de novas propostas de políticas e mais no estabelecimento de organizações políticas com credibilidade de instituições acadêmicas, convertendo-as num órgão eficaz para ganhar corações e mentes.
As ideias de livre mercado, como reduzir impostos dos ricos; reduzir o setor público e colocá-lo sob o controle de operadores privados; as normas comerciais liberalizadas e as restrições aos sindicatos, sempre enfrentaram um problema de percepção. Renovar o ultraliberalismo econômico como uma ideologia de interesse público requer estratégias elaboradas para a persuasão massiva.
Na reunião, os “empresários” do grupo no Peru, República Dominicana e Honduras debateram em Buenos Aires um formato similar ao de Shark Tank, um reality show dos EUA onde as empresas start-up lançam um painel de investidores ricos e radicais. Entretanto, em vez de buscar investidores com um painel de capitalistas de risco, os líderes desses laboratórios lançaram ideias de marketing político.
Alguns antecedentes


Mas o modelo Atlas que está se estendendo pela América Latina se baseia num método aperfeiçoado por décadas de luta nos Estados Unidos e Reino Unido. Antony Fisher, empresário britânico e fundador da Atlas Network, queria “cobrir o mundo com os think tanks do mercado livre”, baseado nas teses do economista austríaco Friedrich Hayek.
E encontrou apoio em outro ideólogo do mercado livre, o estadunidense Leonard Read, calejado em duras batalhas contra a mão-de-obra organizada, atuando na Fundação para a Educação Econômica, em Nova York, que patrocina e promove as ideias de livre mercado. Nela, o economista libertário F.A. Harper assessorou Fisher sobre os métodos para criar sua própria ONG no Reino Unido, o Instituto de Assuntos Econômicos (IEA).
O IEA ajudou a popularizar as ideias de economistas fiéis às ideias de Hayek, conectando jornalistas com acadêmicos de livre mercado e difundindo críticas de forma regular através de colunas de opinião, entrevistas de rádio e conferências. Grandes empresas, de Barclays a British Petroleum, proporcionaram o grosso dos fundos.
A Rede Atlas proclama orgulhosamente que o IEA “assentou as bases para o que mais tarde se converteu na Revolução Thatcher dos anos 80”. Thatcher escreveu que o IEA criou “o clima de opinião que fez possível nossa vitória”. Paralelamente, Hayek formou um grupo de economistas de livre mercado chamado Mont Pelerin Society. Um de seus membros, Ed Feulner, ajudou a fundar o conservador Heritage Foundation de Washington, enquanto Ed Crane fundou o Cato Institute, o mais destacado grupo de reflexão ultraliberal dos Estados Unidos.
Em 1981 Fisher, estabelecido em São Francisco, se dispôs a desenvolver a Fundação de Investigação Econômica Atlas a instâncias de Hayek, cortejando doadores corporativos para ajudar a estabelecer uma série de grupos de reflexão menores, mas com um projeto global: estabelecer cabeças de ponte libertárias de ultradireita em todos os países do mundo. Com cartas de Hayek, Thatcher e Friedman, começou a arrecadar fundos de grandes conglomerados empresariais – Pfizer, Procter & Gamble e Shell – e de megadoadores republicanos como Richard Mllon Scaife. O êxito do IEA dependia da percepção de que era uma instituição acadêmica e imparcial.
PS: Na primeira parte, postada em 02/11/2017, foi detalhada a ação da rede de entidades no Brasil.

(*) Diretores do Observatório de Comunicação e Democracia e do Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE). Com o apoio da equipe de investigação do CLAE.

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